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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

III


...quando chego à metade da duna, sinto um certo alívio, mas ciente de que a parte mais complicada da subida ainda está por vir. Venta muito forte, e, meus olhos agora estão cheios de areia e suor, o que torna a escalada ainda mais difícil. " Aiai, como venta!" Não há como subir com a postura ereta, tanto pelo extremo cansaço quanto pela dificuldade da subida. Um passo em falso e a areia parece ceder: "Deus, não é possível, não posso cair daqui. Não agora, não. Não faça isso comigo, meu Deus!"

Para o meu horror eu começo a deslizar incontrolavelmente e, consequentemente, rolar duna abaixo, numa queda dolorosa, rápida, invisível. Senti meu corpo sendo liquidificado com a queda, junto com ele meus pensamentos e sentimentos. Tudo escureceu e eu só conseguia sentir um desespero indescritível, na verdade, a única prova para mim mesmo de que eu ainda continuava vivo. Acabei a queda de barriga pra cima. Não conseguia abrir os olhos e sentia minha carne "fritar" naquela areia infernal. Uma visão...


"LEVANTE DAÍ, SOLDADO !!! CAÍDO AÍ VOCÊ NÃO VENCE BATALHAS!

SUA MAMÃE NÃO VAI OUVIR SEU CHORAMINGO AGORA, SEU MONTE DE ESTRUME!!!

ERGA ESSA PORCARIA QUE VOCÊ CHAMA DE CORPO E CONTINUE! ANDE LOGO!!!"


Parecia que algo havia me puxado pelo peito e me feito sentar. Abaixei a cabeça, tentei reorganizar minhas idéias. Recordei-me que havia despencado de uma sofrida subida de mais uma duna complicada. Abri os olhos, como foi difícil enfrentar aquela claridade e calor todo. Levantei-me e contemplei a duna. Estava no sopé. "Cristo, amado... vou subir tudo de novo!"

Comecei novamente a subida, lentamente, passo a passo, muita atenção, muito cuidado, sem desviar o pensamento, sem deixar a culpa novamente tomar conta de mim, sem tentar lembrar-me do passado ou do motivo de eu estar ali. Só conseguia ouvir a voz enfurecida do capitão me mandando continuar. Eu sabia que não podia parar. Eu não imaginava o que havia depois daquela duna, provavelmente mais deserto, mas eu não podia parar.

O sol continua, mas enfraquecido com o cair da tarde. " Vai anoitecer e não vou transpor isso.", penso desolado. A ventania vai e volta, como que zombando de meus esforços, brincando com minhas fraquezas e, de vez em quando, seduzindo-me com um breve alívio do calor, sempre jogando um punhado de areia em meu rosto, como me esbofeteando. Continuei a subir. Mesmo sem enxergar esperança, tinha que continuar a subir. Com ou sem sol ou vento, caindo de novo ou não, vendo a verdade ou cego. Eu tinha que continuar. A queda tivera um efeito inverso." Deus... eu vou morrer mesmo... por que parar ?"

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

II


"AVANCEM, VAMOS!"
"SENHOR, NÃO É POSSÍVEL, OS HOMENS ESTÃO EXAUSTOS, RECUE!"
"SOU EU QUEM DOU AS ORDENS POR AQUI. AVANCEM!!!"
"PELO AMOR DE DEUS, VÃO MORRER TODOS..."
"ENTÃO MORREREMOS TODOS. NÃO RETROCEDA. MORRA, MAS NÃO RETROCEDA."

... chega a ser engraçado lembrar-me dessas palavras. Quem sabe se o capitão ouvisse o conselho de seu sargento, muitos estariam vivos ainda... sendo mais claro (ou não), mais de mim estaria vivo ainda. Não éramos os melhores, mas tínhamos nossas glórias. Mas a última luta foi avassaladora. As situações totalmente distintas, tudo diferente. Aqui, agora, retroceder é o mesmo que morrer. Lá era uma chance de vida. Não há honra, glória ou vergonha maior do que a própria vida. Só que aqui não há como fugir. É pior do que na guerra, é mais complicado e mais dolorido que uma condenação. Um retrocesso significa com certeza o meu fim... mas eu não tenho nem idéia do meu destino se eu continuar, parece que vou acabar do mesmo jeito avançando ou não. Nem sei por que motivo ainda continuo a rastejar-me como uma lesma frenética nesse deserto incandescente. "Meu Deus, eu parei na metade da duna. Há dor em todo o meu corpo e uma ferida na alma que faz a morte parecer um doce conforto. Por que ainda estou vivo e impulsionado a continuar se não vou chegar aonde devo? Não deve ter mais nada além de mais deserto do que depois dessa areia monstruosa."
Já tive minha força, ah, já sim. Ora, o que estou dizendo, minhas recordações não vão me salvar. Estou à beira da morte, da loucura, de um colapso total. O motivo de eu estar aqui eu mesmo cavei, eu mesmo arquitetei minha destruição. Estou fugindo de mim mesmo, buscando, pelo menos, uma morte menos indigna que meu histórico. "Ai, Deus... nem de longe eu consigo enxergar esperança... nem de longe."

sábado, 28 de novembro de 2009

I

...nem de longe há sinal de esperança e nada há além dessas dunas... meu Deus, olha onde vim parar! Dias e dias caminhando por esse deserto que não se acaba, sem rumo, em fuga de uma luta perdida, no desespero para manter-me em vida... morrerei aqui ? O sol, calor, tão impiedoso, tão imparcial, ponto minha mente em literal ebulição. Uma culpa enorme torna a caminhada ainda mais dolorosa, põe ao fardo em meus lombos um peso ainda mais monstruoso.
Eis à frente uma duna enorme, meu Pai eterno! A areia quente já acabou com meus pés e a palma de minha mãos. Agora, rastejo como um verme, na ânsia de encontrar um refúgio para este corpo afadigado. A subida é assaz íngreme, a areia ferve e, como um cão moribundo, rastejo a quatro pés na tentativa de transpô-la... como ainda vivo? há dias sem água ou um bocado de pão seco para aliviar-me, ainda existe vida em mim... meu Deus, esse deserto, essa duna, estou longe da metade da subida e já quero desistir. Minhas mãos já não aguentam mais, meus braços querem morrer, minha respiração é como o maior esforço de um homem.
Parei. Olhei para o cume da duna, se é que posso assim chamá-lo. Acima, o céu de um azul que só o Supremo poderia inventar. "Que belo", pensei. Era a visão mais linda que eu havia contemplado em tanto tempo de batalhas, vergonhas, mortes e fugas. E que contraste, um cenário tão lindo e poderoso ser tão mortífero e tenebroso. "Sorriria se tivesse forças". Um longo suspiro interrompeu o pensamento, pude sentir todo o volume daquele ar quente e seco adentrando meus pulmões. "Ainda vai demorar para entardecer. E não há nenhuma nuvem no céu. Nem sinal de chuva 'que me refresque a língua' e me traga um pouco mais de vida".
"Não estou nem na metade desta duna... o que deve ter após ela? mais deserto? minha morte, meu fim, selando meu sepultamento sob terrível aridez... nem de longe há sinal de esperança. Nem de longe...